sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Basta nada

Viver é um momento. Contemplar. 

Viver é um sopro. Lembro-me do primeiro contato com o morrer. Eu tinha cerca de cinco anos. De mãos dadas com a minha mãe, eu esperava do lado de fora do cemitério que o pai do meu avô fosse enterrado. Não tenho nenhuma lembrança dele, mas lembro desse momento. Fazia calor neste dia, a percata que eu estava calçada fazia meu pé suar e o incômodo foi imediato. Mas esperamos. Depois de alguns minutos, minha mãe decidiu que era hora de ir embora, afinal aquele não era o ambiente propício para uma criança. A lembrança é vaga, mas viva. Fugimos da morte.

Depois de alguns anos, dez para ser mais precisa, o irmão do meu avô sofreu um infarto e a morte veio rápida. Tudo muito depressa, o velório, o enterro, o ir. Nesta época, eu já havia começado a pensar mais sobre isso, mas ainda assim não testemunhei. Fugi da morte.

Quando escolhi a profissão que ia seguir, cinco anos depois desse último encontro, não cogitei me deparar tantas vezes com ela. De tantas maneiras. De tantas pessoas. Políticos, idosos, atropelados, bandidos, assassinados, várias  facetas, vários encontros. Não pude mais fugir. Chega sorrateiro, no meio de uma matéria sobre futebol numa tarde ensolarada qualquer - corre, sai, morreu alguém, vai lá. Forte, firme, não sofra a dor do outro, você pode não aguentar. Não sofra. Não sofra. Sofri. Sofro.

Difícil segurar.  Dentro dos livros que li durante esse tempo aprendi técnicas, conheci coisas sobre a alma. O corpo é matéria, o espírito não morre. Ainda assim, é difícil olhar nos olhos de quem perde alguém que ama, que por aqui não vai mais ver. Somos apegados ao que podemos tocar.

Dessa vez, o rio. E aquele lugar não é qualquer um. É fonte de vida para milhares, para mim. Acompanhamos desacreditados, o improvável acontecer, repetição da arte, difícil crer. A cada telefonema para alguma fonte oficial, o descrédito. Impossível. Ou seria possível? O fato é que aconteceu, o rio sugou, a morte veio.


De novo, como em todos os dias, como em todos às vezes, o perecível. Frágil. Um sopro. 


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Mapa de Estrelas




Onde você está agora?  Exatamente agora. Ás 22h54. O que você está fazendo? Com quem está conversando? E amanhã? O que tem em mente? Tem planos para amanhã? Quais seus planos para vida? O que tem feito da vida? Me conta...Me sufoca de respostas. Não vou me incomodar. Quero saber de todos os detalhes. Talvez pudéssemos marcar para tomar um café. Falar sobre a economia do país. Sobre o futuro da moeda. Ou quem sabe discutir sobre a atuação dos times da série C do Campeonato Brasileiro. Sobre palavras. Não sei. Qualquer coisa. Me sufoca de palavras. Me fala. Nada tem sido mais cortante do que o silêncio. Não a falta de sons propriamente dita, mas a falta de respostas. Devo seguir? Talvez mudar de rota?! Quem sabe seja melhor enfrentar a ventania?! Entrar no olho do furacão! O que acha? Tem alguma ideia melhor? Fica à vontade, fala...Tô disposta a acatar. Tenho lidos manuais. Feito contas. Avaliando projetos. Só por hoje. Ou quem sabe amanhã? Deixa.


A ideia é recomeçar. Ou começar pelo final. Chegar ao início pelo lado contrário. Enfrentar o que ainda não sei.

O que quero saber. 


segunda-feira, 26 de maio de 2014

Tolice de uma adulta


Não choro mais. E esta negativa não significa que ando feliz e sorridente. Significa muito mais. Não sinto tanto. E não falo no sentido literal da palavra, como por exemplo sentir frio, calor ou uma pedra no sapato. 

Não choro mais inconstâncias, não sinto mais a inspiração da melancolia.

E a verdade é que não sei até que ponto isso é positivo para uma pessoa como eu. Me olho e vejo uma adulta como os milhares...atrasada, agoniada, estressada, entediada...Como tantas, vou atropelando os próprios passos no centro da cidade, tropeçando na cegueira em chegar sempre dez minutos antes do combinado.

A instantaneidade me obriga a seguir em frente apesar da vontade de voltar. O desejo de acompanhar a mudança da paisagem,o caminhar das pessoas, o observar o céu ficou nas linhas dos cadernos que não uso mais... Sou obrigada a ir junto a maioria. A pegar a condução, a empurrar os que estão a minha frente, a não olhar o que está a minha volta.

Não, não choro mais. E não significa que nada mais dói, não tenho mais tempo. Verdade, não sinto mais. Não tenho me importando mais com minhas reflexões, minhas questões, meus "eus". Tem sido tudo muito prático. O acordar, levantar, sair, seguir, voltar, dormir. Como a maioria faz. Como eu tenho feito.

Mas hoje resolvi ouvir o que tenho por dentro. Um barulho ensurdecedor. Um grito de dor. Ando esquecida dentro de mim, dentro das obrigações da vida adulta, dos horários, do contracheque. Nunca imaginei que hora-extra tomasse tanto...Toma o tempo, a coragem, a disposição, a reflexão...E hoje apesar de ser quem eu sonhava ser, em ter a vida que eu queria, não sou mais quem eu sou.

domingo, 16 de março de 2014

Nada além

Fico me perguntando porque sempre me enfio nesse turbilhão de sentimentos. Não há nenhuma necessidade coerente para que eu passe por essas dúvidas, mas eu viajo nas emoções e me deixo levar pelas arestas que tenho abertas no peito. Tudo meio sem pensar, sem pesar...Tudo muito errado, eu sei. Para os olhos da maioria ser tão inconstante é crime inafiançável. E por esse motivo eu devo aceitar que me levem, me coloquem em praça pública e...

....dou a cara bater.

Ser a errante não é uma posição confortável, mas não consigo não sentir esse calor latente no peito... E um frio que só as paixões nos levam a sentir. É um misto de tudo que queima. O calor, o frio...O erro, a dor, a incerteza...

E nada que consciência me diga que é o certo consegue ser mais forte que essa infinita maneira de ser.

Nada.
Por hoje é isso. Amanhã? Não sei.


quarta-feira, 12 de março de 2014

Sobre mar, sabores e viver

Nadar em mar aberto não é para qualquer um. Quem se propõe a enfrentar a correnteza, as condições climáticas e a incerteza das águas escuras jamais entenderia como é nadar em piscina coberta, presa as barreiras. Quem se propõe a encarar o medo de nadar a mercê do que não é conhecido não aceita o cômodo. Talvez essa seja só uma comparação, mas acredito que sirva de justificativa para a vida. 

São inúmeras as vezes que precisamos encarar a dúvida e decidir entre uma piscina coberta ou se debater nas águas inquietas do mar.  Ah, o perigo de viver...Quem experimenta o sabor inigualável de nadar sem rumo, ouso a dizer que em poucas situações voltaria para a quentura da piscina. Ao mesmo tempo que o incerto amedronta, ele alimenta.

Viver é mais que sobreviver. Sobre viver...é disso que fala com essa comparação e viver é mais! Comodismo é algo inexistente para os que abrem o peito para os perigos da vida e respiram com a intenção de fazer valer o oxigênio consumido. Não quero menosprezar os que nadam em piscina, longe de mim, mas preciso exaltar os nadadores de alto mar, que saem da zona confortável para encarar a incerteza da ida e da volta. E nessa linha dos que enfrentam o mar, existem ainda os que vão contra a maré ou ainda os que nadam sem conhecer a rota e decidem ir para até onde a força permite.

Esses poucos nadadores nos inspiram a experimentar o sabor agridoce - inconfundível - da liberdade e ainda nos faz negar o insosso mundo dos que se escondem. E o que quero com esse papo? Ah.. é só uma reflexão, um devaneio, um desabafo, seja o que for...

Aliás, é só uma maneira pífia de dizer que admiro os que ignoram o sobreviver, se debatem nas águas e vão a lugar nenhum, mas ensinam sobre viver. Isso é o que verdadeiramente importa. 


'E basta contar compasso
e basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
De tudo se faz canção
E o coração
Na curva de um rio, rio...

E lá se vai mais um dia...'

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Sobre a morte do governador


"Não é fácil conter a emoção diante de olhos que urram uma dor silenciosa. Tão cortante feito navalha recém-comprada. Dói de olhar. "

Acompanhei os bastidores com a sensibilidade que Deus me deu como dom. Percebi movimentos que valiam milhões e outros, centavos. Vi gente da mais alta estirpe, gente de uma sociedade falida, com a uma falsidade fantasiada de boas intenções... Mas em contrapartida vi gente que cheirava a interior, que veio de longe para despejar lágrimas e curiosidade diante da morte do líder do Estado. Gente que pegou três conduções para alcançar o local mais próximo da grade que separava o corpo da multidão. 

Vi gente.

Em cada momento da celebração eu pude ver olhos velozes, uns ditavam frases, outros sofriam em silêncio. Ouvi vozes que entoavam mentiras profundas e gente que ignorava  as regras da gramática mas que emanavam o amor mais puro.

Mais do que um funeral, eu vi a história se debruçar na minha frente.

Mais do que uma missa de sétimo dia, eu constatei o meu desejo de ser os olhos e a voz de quem é mais miúdo do que eu. Mais do que admiração pelo orador exemplar, eu colei meu grau através da necessidade de cobrir com precisão esse momento. 

Déda, mais do que qualquer outra palavra, hoje eu tenho gratidão.

Sou jornalista e você é parte disso.


"A minha alucinação é suportar o dia-a-dia, 
E meu delírio é a experiência com coisas reais."

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

rio, rio, rio...

Era o sopro de Deus me levando rumo ao que de tão desconhecido, amedrontava. Tola!  Deus só sopra leve, um leve adiante para o caminho certo. Tolice seria não ir. Ainda bem que não segui o meu medo, pelo contrário, segui em frente. 



Enfrente. Foi o que mais fiz para conquistar tal prazer. Nada do que vi de grandioso chegou próximo ao que vi da janela do boeing. Mesmo noite, quando a maioria dormia de cansaço, meus olhos ligeiros acompanhavam cada luzinha. Tudo parecia um sonho de tão inimaginável. E de repente... Milhares, milhões, infinitas luzes...uma árvore de natal gigantesca se mostrava para mim. Só eu poderia entender esse significado. Era o Rio. E eu ri de uma alegria tão inebriante que um mês depois escrevendo aqui, eu rio do mesmo jeito. 

O corpo pesado de tão cansado e alma flutuava de tanta satisfação. Quem ganha nessa missão? O mais leve, claro! Queria dormir pouco naquele lugar, aliás, preferia nem dormir, o desejo era de mergulhar em cada canto daquela cidade. Saber de cor os nomes das ruas, conhecer pelo nome cada motorista de ônibus, ir e voltar de metrô todas as vezes que pudesse. Tudo era solar e colorido! Até mesmo nos dias de chuva, clareou para mim. Fiz questão de sentir todas as sensações que pude...o arpoador com seu espetáculo do sol, o desvendar mistérios do parque lage, o doce da colombo, a cachaça da caipirinha,os corpos esculturais de ipanema, a vista....Qual vista?! Tudo é uma vista nessa cidade.

 Tudo parecia ser feito para apaixonar, qualquer simples olhada merecia um sonoro: Nossa! Como não respirar daquela atmosfera como quem dá o último suspiro? Como não gastar todos os centavos na tentativa de trazer pedaços daquele lugar em forma de lembrança? Eu só queria que alguém me explicasse como conhecer isso tudo e não se lembrar todos os dias que existe um lugar daquele na terra? Sim, isso tudo escrevi para dizer que deixei de mim muito mais do que trouxe de lá.  Preciso voltar para buscar. E quem sabe, ficar?!


Basta nada

Viver é um momento. Contemplar.  Viver é um sopro. Lembro-me do primeiro contato com o morrer. Eu tinha cerca de cinco anos. De mãos...