segunda-feira, 1 de março de 2010

Uma velha loja de discos antigos e livros usados.

Remexo as palavras com destreza, as poucas palavras que conheço se tornam menos ainda quando me vejo diante da obrigação de falar.
É de certo que eu não pretendia mesmo usá-las, mas seria de bom grado que eu soubesse ao menos o que desejar na hora da despedida, mas eu não sabia. 
Permaneci calado por longos cinco minutos, olhei vagarosamente para analisar se sua postura estava parecida com alguém que estivesse insatisfeito.
E decidi ir-me. Olhei para próximo dos teus olhos e balancei com a cabeça no sentido de mostrar que eu estava indo. E sai, andando em passos longos sem olhar para seu rosto, apenas observando o movimentar dos meus pés, que pareciam ter vida própria e um forte desejo de sair logo dali.
Só na segunda esquina do quarteirão foi que eu me dei conta que tinha saido sem me despedir, pensei em voltar,   mas já era tarde. 
Imaginei que você também não tivesse vontade de dizer nada, pois não abriu a boca nem para bocejar. E continuei andando.
De repente me vi próximo de uma loja de discos antigos e livros usados, como eu não tinha nada para fazer do resto do dia, entrei.
A primeira prateleira parecia ser a única que era limpa, mas logo que remexi alguns livros, vi que tinha me enganado. Os livros estavam muito empoeirados o que me fez espirrar, o que eu não esperava era  que esse espirro tivesse ecoado por toda a loja.
Depois de silenciar novamente, ouvir passos se arrastando pelo corredor que vinha do fundo daquele ambiente, não observei de supetão, lentamente fui levantando o olhar. 
Pude ver, mas não claramente de que se tratava de um senhor de uns 75 anos com um rosto quase que iluminado pelos cabelos brancos que mesmo em uma pele branca se tornavam ainda mais brancos.  Fixei o olhar e vi um nobre sorriso direcionado a mim. Retribui. Não que eu estivesse com vontade de sorrir, mas por educação.
- O que procura em uma loja tão suja, jovem amigo? Não que eu desmereça a minha loja, mas é que não é comum pessoas da sua idade aparecerem nela.
Apenas balancei a cabeça em sinal de confirmação. O senhor parece ter se interessado em conversar comigo, mesmo que eu não tivesse dado sinais de querer falar.
- Mas me conte jovem, o que procuras?!
Me vi agora realmente obrigado a falar.
- Não procuro nada em especial, mas tive vontade de entrar, apenas isso.
-Hum...vejo que se trata de um jovem triste. Estou certo?
- Não sei.
Neste instante, percebi que o senhor me olhava com um olhar compreensivo. Agora sim, fui obrigado a falar.
- Estou me sentindo só, vi meu amigo ir embora e nada falei. Nem ao menos me despedi. Me sinto um fracassado por não saber usar as palavras. Ele era o meu melhor amigo, me dizia coisas confortantes, chorava comigo e me dizia sempre que não desistisse. E na hora que ele se vai eu não falo nada ! Não digo nada ! Nem um 'vá com Deus'  meu amigo! Nada!!
Depois de usar essas palavras percebi que estava chorando, chorei feito uma criança, de um jeito que eu não me permitia chorar mais.
O senhor segurou minha mão, e olhou para os meus olhos de uma maneira sincera, o que me confortou e disse:
- Seu amigo não foi embora. Ele sabe que você voltará com as palavras certas. E ele não iria embora sem se despedir de você.
- Como o senhor tem tanta certeza?!
- Pode parecer engraçado. Mas mais cedo, um jovem como você, apareceu aqui, dizendo que procurava um livro com as palavras certas. Achei curioso e indaguei porque ele desejava das palavras certas. Ele disse que usaria com o seu melhor amigo, para que pudesse ir com a certeza que poderia voltar.
Eu já não reprimia as minhas lágrimas e sem pensar, dei um abraço no senhor. E apenas disse:
- Muito obrigado.
Sai pelas ruas vazias, correndo para então poder falar o que eu deveria.
Cheguei ao meu destino suando, tremendo e imaginando que ele já tivesse ido. Mas quando olhei para o canto da sala, ele estava cochilando sentado sobre as malas.
Cutuquei devagar para que ele não se assustasse. Ele me olhou e me deu o mesmo abraço de quando eu tinha perdido o seu carrinho preferido e ele havia me perdoado.
- Amigo, vim para que pudesse dizer adeus e te desejar bons caminhos.
- Obrigado, eu estava somente esperando isso para que eu pudesse ir em paz.
Nos abraçamos e ele se foi. Quando voltei pelo mesmo caminho a fim de que falar outra vez com aquele nobre senhor me deparo com uma placa de 'Luto'- pelo dono da loja, o senhor Pedro.

Essa história somente foi feita para exemplificar o quanto nos prendemos desejando dizer as coisas certas ou quando perdemos tempo com inutilidades ao invés de retirar aprendizado dos momentos.
Ou ainda não esquecemos de dizer adeus aos que realmente importam.



  


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