segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A questão não era a bicicleta.


O sol queimava a pele daquele corpo magro, sem formas femininas, era um corpo pequeno, mas que se sentia invencível quando estava no controle daquela bicicleta. Enquanto a poeira da terra batida da rua do cheiro subia ao ter contato com a borracha do pneu, ela via seu mundo correr. Um mundo criado dentro dela mas que se fazia totalmente real. Porque o que diferenciava aquela menina da maioria não era o seu pensamento e sim o seu olhar. Um olhar encantado com o que via. 

Todo fim de tarde era o mesmo trajeto, mas sempre vinha para casa com experiências incomuns. "Tudo acontecia com essa menina" falavam constantemente. Não, a verdade não era essa. Afinal, ela não vivia nada de tão extraordinário, volto a contar que o diferencial dela estava no olhar. Desde os tempos da franja na testa, ela era uma contadora de histórias.

Ricas em detalhes, suas narrações faziam sucesso, mesmo dentre aqueles que não acreditavam. De certo, algumas vírgulas foram acrescentadas, os pontos finais foram substituídas por exclamações, mas não eram invenções. Reformular ela sabia, "desdobrar" ela sabia, mas inventar, não. Sua arte preferida era contar. Gostava do mundo das palavras.

Depois de alguns anos, a bicicleta não cabia mais no mundo em que ela vivia, o transporte libertador fora substituído por grandes caixas com rodas que carregava muitas pessoas. Continuava, pois, vendo tudo com olhos bem abertos, ela estudava  para aprender a ser uma contadora oficial, afinal, era a única coisa que sabia fazer com maestria.

(...) aquele olhar quase que ingênuo, transformava ela em segundos naquela magrela cheia de lábia. Sabia persuadir, mas nunca fora com maldade. 
Bastava um pouco de conversa para descobrir que ela era apaixonada pelo toque da borracha do pneu na terra batida. E quando estava guiando aquela bicicleta...era como se tivesse um mundo paralelo nas suas mãos. E talvez, fosse isso, afinal.

6 comentários:

  1. Gosto dos seus textos, pois tem essência. E mais do que isso nos faz entrar dentro do texto e andar de bicicleta fazendo uma volta ao que fomos.

    Obrigada!

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  2. Adorei esse paralelo com o passado...mostrando as pequenas coisas que te tornaram o que vc é hoje.
    Lindo o texto.

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  3. Sua linda! Esse seu texto dá vontade de infância, é tão leve, lírico, encantador... É o meu texto preferido seu. rs

    A questão é sempre o olhar e maneira de ver a vida, sempre. =)

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  4. Amei a forma com que você escreve, muuuito bom! Já estou te seguindo!
    Sou nova no mundo dos blogs, mas se quiser dá uma passadinha por lá (:
    http://tudo-imprevisivel.blogspot.com/

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  5. viajo muuito nos seus textos liloocaa!
    que coisa fofaa, que coisinha mais doce!

    beijoo jornalista preferida :*

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