Viver é um sopro. Lembro-me do primeiro contato
com o morrer. Eu tinha cerca de cinco anos. De mãos dadas com a minha mãe, eu
esperava do lado de fora do cemitério que o pai do meu avô fosse enterrado. Não tenho nenhuma lembrança dele, mas lembro desse momento. Fazia calor neste dia, a percata que eu
estava calçada fazia meu pé suar e o incômodo foi imediato. Mas esperamos.
Depois de alguns minutos, minha mãe decidiu que era hora de ir embora, afinal
aquele não era o ambiente propício para uma criança. A lembrança é vaga, mas
viva. Fugimos da morte.
Depois de alguns anos, dez para ser mais
precisa, o irmão do meu avô sofreu um infarto e a morte veio rápida. Tudo muito
depressa, o velório, o enterro, o ir. Nesta época, eu já havia começado a
pensar mais sobre isso, mas ainda assim não testemunhei. Fugi da morte.
Quando escolhi a profissão que ia seguir, cinco
anos depois desse último encontro, não cogitei me deparar tantas vezes com ela.
De tantas maneiras. De tantas pessoas. Políticos, idosos, atropelados, bandidos,
assassinados, várias facetas, vários
encontros. Não pude mais fugir. Chega sorrateiro, no meio de uma matéria sobre
futebol numa tarde ensolarada qualquer - corre, sai, morreu alguém, vai lá. Forte,
firme, não sofra a dor do outro, você pode não aguentar. Não sofra. Não sofra.
Sofri. Sofro.
Difícil segurar. Dentro dos livros que li durante esse tempo
aprendi técnicas, conheci coisas sobre a alma. O corpo é matéria, o espírito
não morre. Ainda assim, é difícil olhar nos olhos de quem perde alguém que ama,
que por aqui não vai mais ver. Somos apegados ao que podemos tocar.
Dessa vez, o rio. E aquele lugar não é qualquer
um. É fonte de vida para milhares, para mim. Acompanhamos desacreditados, o improvável
acontecer, repetição da arte, difícil crer. A cada telefonema para alguma fonte
oficial, o descrédito. Impossível. Ou seria possível? O fato é que aconteceu, o
rio sugou, a morte veio.
De novo, como em todos os dias, como em todos às
vezes, o perecível. Frágil. Um sopro.